quinta-feira, 19 de junho de 2008

Uma lei pra eles, outra lei pra nós

Duas notícias de hoje que não foram cruzadas na mídia: de um lado, uma investigação parlamentar só tornou claro aquilo que todos sabem, que as prisões do Brasil Varonil são masmorras medievais, sujas, insalubres, hiper-lotadas, violentas, onde presos dormem ao lado de porcos - é, porcos mesmo, isso foi em Campo Grande - MS.

De outro lado, um estudo da FGV no qual se verifica que apesar das condenações por crimes do colarinho branco terem aumentado nestes últimos dez anos, de 380 condenações judiciais analisadas apenas UMA resultou em prisão do acusado. As outras foram resolvidas com suspensão do processo, pagamento de cestas básicas, pagamentos dos prejuízos.

Crimes do colarinho branco são aqueles praticados pelos caras que aparecem rindo com suas famílias em comerciais de carros de 120 mil reais, em comerciais de imóveis de prestações de 3 mil reais. São os crimes dos patrões, dos executivos, de fraudes no mercado financeiro, fraudes bancárias, fraudes a investidores.

Eu quando era moleque e levantava meio moicano, morria de medo de ser preso. E com razão: não era ninguém. Um PM uma vez me disse que só não ia me quebrar a cara por estar na viatura o tenente dele, que não gostava dessas coisas.

Aí estudei, abaixei o moicano, e virei alguém. Acabei a faculdade como milhares de otários de famílias "de bem" e virei alguém. A última vez que a polícia me parou foi numa estrada em que estava a 137 por hora com meu carrinho mil.

O que os dois dados então querem dizer? Ué, lugar de pobre, preto, índio é na cadeia, no lixo, na merda. E lugar de doutor é na reinserção social, nos fins pedagógicos da condenação, na sanção judicial de se pagar os prejuízos causados. E só. Prisão nunca, só em situações especiais.

A divisão do nosso país em uma classe de hiper-privilegiados e uma classe de hiper-fodidos é gritante - berrante até - nessa diferença dos crimes dos ricos e nos crimes dos pobres. E na punição dos ricos e na punição dos pobres.

Tem cara que desfalcou milhões de reais na fraude e aparece na TV dando entrevista, saindo de balada com modelos, tá em coluna social e tal. Já o pobre bandido só aparece no Ratinho, no Datena, ou em algum outro histérico - ou neurastênico, como dizia meu avô. Engraçado que eles nunca trocam de lugares. Nunca vi um Datena da vida gritando enquanto seu câmera filmava um empresário indo preso.

Bem, na verdade, eles nunca são presos mesmo, não é?

3 comentários:

Unknown disse...

Caralho R., muito boa essa postagem. Bacana ver que você virou a casaca e abandonou o lado "deles" em prol da arraia miúda. :)

Mão do Macaco disse...

Não virei a casaca não, o mundo que a virou pra mim. Vou fazer um teste um dia aí e sair vestido de "ninguém" de novo pra ver se o tratamento de doutor é mantido.

Unknown disse...

Sabe que até hoje eu NUNCA levei geral da polícia. Quer dizer, já vieram me interpelar umas duas vezes, mas nunca tomei revista ou pediram para mostrar a identidade. Não é só questão de como eu estava vestido. Você sabe que nunca fui muito alinhado. Tampouco tem a ver com o fato de ser brancarão. O lance é que os lugares que se anda e o jeito como se fala contam também. É só abrir a boca para ser taxado de boy.
Se você deixar o terno em casa talvez pare de ser tratado de doutor. Mas vai precisar de um esforço shakespeareano de interpretação para que te vejam como um ninguém.
Digressões a parte, você viu esse especial do UOL sobre o sistema carcerário:

http://noticias.uol.com.br/album/080619presidios_album.jhtm?abrefoto=13

Esse país tem coisas muito podres.